A prospecção petrolífera, a dragagem no porto da Veracel e a rota das barcaças que transportam a celulose, as barragens, a carcinicultura, a destruição das matas ciliares e a pesca industrial ameaçam a biodiversidade do ecossistema marinho e costeiro e, portanto a sobrevivência das comunidades tradicionais -os pataxós pescadores e pescadoras artesanais, marisqueiras- no Extremo Sul da BA onde se localiza o maior recife de corais do Atlântico Sul: Abrolhos.
Somente a luta do movimento socioambiental e das comunidades tradicionais impediu até agora que o Parque Marinho dos Abrolhos e a sua zona de amortecimento sejam loteados para a exploração de petróleo. A região de Abrolhos aporta o 10 por cento da receita total de pesca no Brasil.
Desde o ano 2000 foram criadas três Reservas Extrativistas: as de Corumbau, Canavieiras e Cassurubá. Monitoramentos realizados pelas ongs Conservação Internacional (CI) e Ecomar, convocadas pelo Ministério da Pesca, comprovaram que as RESEX e os parques marinhos contribuem para a recuperação de bancos pesqueiros.
Com a concepção de corredores ecológicos trasladada ao ecossistema marinho e costeiro, o Instituto Chico Mendes (ICMBIO-Ministerio do Meio Ambiente) e a CI estão realizando consultas com as comunidades de pescadores e pescadoras artesanais dos municípios de Belmonte e Santa Cruz Cabrália, sobre a necessidade de formação de uma nova RESEX que faça ligação entre Canavieiras e Cassuruba, nos manguezais frente a Abrolhos.
As reservas extrativistas, previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC- lei 9985 do 2000), som áreas destinadas a exploração sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis pelas populações extrativistas.
A proposta foi bem recebida pela comunidade pesqueira que se reuniu no dia 1º de julho passado com representantes do ICMBIO e da CI, no primeiro encontro na região sobre o Processo de Ampliação das Áreas Marinhas Protegidas, como zonas de proteção da biodiversidade marinha e de reposição da pesca.
Esse processo incluiria a ampliação do PARNAM Abrolhos e a extensão das Resex Corumbau e Cassuruba as áreas de Alcobaça, Prado e Mucuri.
O objetivo é estender a área protegida de Canavieiras, atravessando o Rio Jequitinhonha (Belmonte) até a ponta da Coroa Vermelha (Santa Cruz Cabrália), já seja ampliando a RESEX Canavieiras ou criando uma nova reserva extrativista. A nova área protegida abrangeria parte do importante Banco pesqueiro Royal Charlotte, localizado frente às costas do sul de Belmonte e norte de Cabrália.
O encontro se realizou na sede da Colônia de Pesca Z-21 de Belmonte com a participação de pescadores e pescadoras e marisqueiras da região: a colônia anfitriã e a Z-51 de Santa Cruz Cabrália, a Associação Mãe dos Extrativistas da Resex Canavieiras (AMAX), Associação de Pescadores de Santo Antonio (Cabrália), Associação de Pescadores Indígena Pataxó (APIPE), Associação de Marisqueiras Pataxó, Cooperativa de Pescadores de Santa Cruz Cabrália (COOPESC), Grupo de Apoio a Pesca Artesanal (GADAP), ostreicultoras do povoado de Guaiú, a Associação da Cidadania e Transparência da Terra Mãe (ACTTM) , representando o Movimento de Pescadoras, Marisqueiras e Pescadores da BA (MOPEBA), Diretoria de Pesca da Prefeitura de Cabrália, a Coordenação de Comunidades Tradicionais do Instituto Chico Mendes(ICMBIO) do Ministério de Meio Ambiente, e a ong Conservação Internacional.
Foi esclarecido durante a reunião que a ampliação das resex não criará restrições para a pesca artesanal, senão para grandes empreendimentos como a pesca industrial e a instalação de plataformas de petróleo, pois essa categoria de unidade de conservação e de uso sustentável e gerida por um conselho integrado pelas comunidades tradicionais (pescadores, indígenas, ribeirinhos, marisqueiras).
O representante da AMAX, Carlos Alberto Pinto dos Santos “Carlinhos”, relatou a experiência de formação da RESEX Canavieiras, que em seus inícios teve pressões de todo tipo de setores externos a comunidade pesqueira, obstáculos esses vencidos e hoje os pescadores de Atalaia, Puxim , Oiticica,Barra Velha e Campinhos começam a receber os benefícios de políticas publicas nas suas áreas.
Guilherme Dutra (CI) destacou o porquê da importância do Extremo Sul da BA no processo: a região abriga os maiores fragmentos de Mata Atlântica do Nordeste e a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, incluindo áreas de manguezais e restinga em bom estado de conservação.
Devido à importância turística da região, manguezais e restinga estão permanentemente ameaçados pela especulação imobiliária, construção de hotéis e condomínios com fechamento de acessos aos rios e praias e outras ameaças.
Abrolhos- explicou Dutra- é a região mais piscosa da BA, com 20.000 pescadores e uma receita anual de R$100 milhões, que equivale a 10 por cento da receita total do Brasil, de R$ 1 bilhão, gerados por 507.000 toneladas de peixe, segundo cifras do ano 2005. A Bahia em seu conjunto aporta 45.600 toneladas (R$ 221 milhões), todas aportadas pela pesca artesanal.
Uns dez anos de monitoramento (“mergulhar e contar peixe”) das áreas protegidas na região de Abrolhos e RESEX Corumbau , contabilizados até agora 3000 mergulhos, comprovou de fato o aumento substancial da biomassa de badejos nas áreas protegidas e seu entorno, em comparação com as áreas sem proteção. Aos fins do monitoramento, e da reposição de banco pesqueiro, foi fechada a pesca uma área dentro da RESEX Corumbau.
Dutra explicou que a recuperação do banco pesqueiro tem um efeito de expansão nas áreas do entorno das áreas protegidas, de maneira que na área fechada para a pesca a biomassa aumentou três vezes mais do que fora, e na área de 500 metros de distancia da RESEX também aumentou, duplicando a quantidade.
O monitoramento comprovou ademais a conectividade entre os manguezais, os chamados ambientes intermediários e os recifes de coral, pois muitas espécies utilizam as áreas de manguezal para acasalamento, reprodução e alimentação e à medida que se transformam em exemplares juvenis os peixes migram as áreas dos recifes. De aí a importância de proteger o manguezal como berçário das espécies que, se o ciclo não é interrompido, migram quando adultas a região dos recifes de corais.
O Ministério da Pesca convocou a essas entidades para realizar um monitoramento piloto na região para incorporar a produção da pesca artesanal as estadísticas oficiais da produção pesqueira do Brasil.
O palestrante mostrou um mapa com os blocos de exploração de petróleo loteados pelo governo federal: o Parque Marinho dos Abrolhos está circundado de lotes em toda a sua extensão. Mas para o Norte, a empresa Queiroz Galvão já está praticando a exploração na região de Canavieiras.
A região também está cruzada, em toda sua extensão, pelas rotas das frotas de grandes barcos de pesca industrial, detectadas por levantamento satelital.
Outra ameaça para a região é a duplicação da fábrica Veracel, localizada no município de Eunápolis, perto da divisa com Belmonte, e que joga seus efluentes e capta a água para a planta industrial do rio Jequitinhonha. A duplicação está em processo de licenciamento pelo INEMA, o órgão ambiental do Estado da BA, e pendente das audiências publicas obrigatórias por lei. O EIA-RIMA apresentado pela corporação prevê duplicar o emissário de efluentes e o canal de captação de água.
Ainda não foi iniciado o processo de solicitação de licencia para a duplicação do Terminal de Barcaças da empresa, localizado na vila de Mogiguiçaba (Belmonte) dentro da APA (unidade de conservação estadual) Santo Antonio e da futura RESEX, e vizinho ao PARNA Belmonte, previsto pelo MMA dentro do plano nacional de ampliação de áreas protegidas. No caso do TMB a licencia deve ser federal e segundo fontes da corporação o EIA-RIMA será difundido em setembro próximo.
De fato, os pescadores do Extremo Sul da BA, ademais da prospecção petrolífera, tiveram que pressionar a multinacional Veracel Celulose para que afastasse da costa a derroca das barcaças que transportam a celulose desde o porto particular da corporação (com dragagem as 24 h), no município de Belmonte (BA) até os portos de exportação em ES, pois houve casos de acidentes com pequenas embarcações e destruição de redes e espinéis.
A dragagem constante no local, com o chamado sistema de transferência de areia, é um fator de arraste de sedimentos que preocupa aos pescadores artesanais e biólogos marinhos, como Gustavo Duarte, da ong Coral Vivo, quem na ultima reunião do Conselho Gestor da APA Santo Antonio destacou a preocupação dessa essa entidade pelo “aumento de sedimentos cujo impacto é muito difícil de mensurar” e sinalizou que “ temos receio dos impactos que a dragagem está provocando no Recife de Araripe”, frente às costas de Santa Cruz Cabrália.
Dentro do Processo de Ampliação de Áreas Marinhas Protegidas, o ICMBIO promoverá novas reuniões com as comunidades pesqueiras da região para que os próprios pescadores e pescadoras proponham o mapeamento e a forma de organização das novas Resex. Rafael (ICMBIO) enfatizou a importância da sensibilização e aprovação das comunidades pesqueiras na ampliação e formação de novas RESEX, pois essas comunidades serão as responsáveis de gerir e administrar essa unidade de conservação aos fins de reposição dos bancos pesqueiros que estão em fase de exaustão.
Como resultado do encontro em Belmonte foi formado um grupo de trabalho que sintetizará as propostas da comunidade pesqueira da região com vistas a formação da futura Resex, através de reuniões em outras localidades para consultar o maior numero possível de pescadores e pescadoras e marisqueiras e elaborar um documento conjunto.
Por Patricia Grinberg e Antonio Ormundo
Fotos: Toni Ormundo
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